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Carolina Ramiro

Tudo (ou quase tudo) sobre o Caminho do Itupava | Papael Kozechen


Não é incomum em rodas de conversas com “os mais antigos” ouvir histórias incríveis, mirabolantes e fantasiosas sobre tesouros, construções, infraestruturas e obras grandiosas perdidas em meio à floresta atribuídos, geralmente, aos Jesuítas. As construções “perdidas” realmente existem e são inúmeras, criando assim, asas à imaginação popular para explicar os que os olhos viram e necessitam interpretar.

Dentre inúmeras delas, podemos pinçar o Caminho Colonial do Itupava, popularmente, erroneamente e, geralmente, conhecido como “Caminho dos Jesuítas”, sendo os Jesuítas na verdade, meros usuários do sistema viário, nada tendo a ver com sua construção.

O Caminho Colonial do Itupava é um dos 5 caminhos coloniais principais de ligação litoral-planalto em terras paranaenses: Arraial, Graciosa, Conceição/Cristóvão, Ambrósios e, logicamente Itupava.

Foi aberto em 1625, onde a lenda conta que caçadores vindos do Planalto Paranaense perseguiam uma Anta e toparam com a trilha indígena. Porém seu uso intensivo iniciou-se apenas em 1654, com a fundação da então Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, atual Curitiba.

Durante o século XVII, o Brasil sofreu modificações significativas com o período da “faíscagem”, como era conhecido o processo de mineração em aluviões. Através dos rios, os mineradores iam cada vez mais fundo permeando o interior do país; obviamente topando com inúmeras trilhas, fundando comércios, vilas, erigindo capelas e igrejas, construindo portos para embarcar e desembarcar suas cargas através de um vai e vem frenético e constante.

Em uma das extremidades do Caminho do Itupava, às margens do Rio Nhundiaquara, foi construído um porto, por volta de 1710 chamado Porto de Cima.

Embora a vila que cresceu ao seu redor tenha sido elevada à freguesia somente em 1855, o Porto de Cima foi de extrema importância para o desenvolvimento local que, certamente, detinha uma circulação financeira e influência muito superior à da capital, Curitiba. Importantes vultos históricos que hoje emprestam nomes à logradouros da capital paranaense, na verdade, eram moradores, comerciantes, proprietários e realizavam seu labor em Porto de Cima.

O Porto de Cima tem esse nome porque haviam outros portos rio abaixo, porém era o ponto mais alto navegável do rio. Ali eram embarcados e desembarcados os muares que carregavam toda espécie de produtos pelo Itupava (uma espécie de BR-277 da época, principal ligação atual entre Curitiba e o Litoral), ou seguiam via fluvial até Paranaguá.

O local era também era conhecido com Porto Real, por conta do Contrato das Canoas, situação essa onde a Coroa Portuguesa arrendava a exploração da navegação. Seu auge foi entre 1820 e 1880, através do ciclo da Erva-Mate, tempo de barões e engenhos de soque, que necessitavam de força hidráulica, muito abundante no local, para beneficiar a erva.

O Caminho do Itupava foi o acesso preferido por mais de 200 anos. Embora houvesse outros, era escolhido por ser o mais curto entre eles; gastando-se apenas 4 dias de subida e 3 dias de descida para realizar o percurso.

Em 1743, houve uma revolta popular, uma vez que os coronéis da época, para realizar melhorias no trajeto, conseguiram o monopólio de acesso criando pedágios por 8 anos. Mesmo após essas cobranças, os projetos de melhorias só aconteceram em 1798, ou seja, 55 anos depois.

Hoje, é dificílimo entender como que mulas carregadas com mais de 60 kg passavam por esse caminho. Além disso, o mais incrível é ler relatos antigos de usuários do Caminho agradecendo as obras que ali aconteceram, como a abertura do “Cadeado”, trecho explodido por canhões, que recebeu este nome pelo formato que se deu com a explosão, a abertura para trânsito de animais, e que por isso não corriam mais riscos de morte como o que sentiam ao passar pelas “escabrosas margens e passagens do Rio Ipiranga”.

Somente em 1830 que o Caminho do Itupava ganha um plano de manejo e conservação, advinda por decreto do então presidente da Província de São Paulo. Portanto, o tão icônico calçamento, realizado em pedras retiradas dos leitos de rios próximos, são exatamente deste período; pavimento este que se inicia exatamente na transição entre Planalto e Serra do Mar.

Essa grandiosa obra, com “meios-fios”, aterros e terraplanagens, bueiros e drenos, alargamentos e desbastes, mudanças de trajeto, açudes e outras melhorias, necessitou de 208 homens, divididos em 13 grupos de trabalho de 16 homens cada, financiados por homens influentes da época, que foram divididos em dois grupos, os do Planalto e os do Litoral. Obra essa que durou até 1833.

Como dito anteriormente o período glorioso deste caminho foi realmente durante o ciclo ervateiro, que vislumbrou diante de si o surgimento de riquezas estampadas nos casarios e carruagens. Dentre as figuras mais proeminentes nesse período, podemos destacar a figura de Ildefonso Pereira Correa, O Barão de Serro Azul; maior produtor e exportador de Erva – Mate do mundo, nascido em 06 de Agosto de 1849, aniversariando juntamente com este que vos escreve.

Com o advento da energia elétrica, da Revolução Industrial e da abertura de estradas com maior poder de transporte e mais acessíveis, como a Estrada da Graciosa (1873) e a Estrada de Ferro Paranaguá – Curitiba (1885), tanto o Porto de Cima quanto o Caminho do Itupava caíram em decadência.

Aliás, é incrível saber que, mesmo com a tecnologia dos dias atuais, o homem moderno não conseguiu achar novas passagens para transpor a Serra do Mar. Se analisarmos os acessos modernos entre o Planalto e o Litoral, perceberemos que todos eles estão inseridos nos mesmos vales utilizados pelos indígenas. Assim, todos os Caminhos Coloniais do litoral paranaense deram lugar aos acessos modernos que usamos na atualidade, vide: o vale do Caminho do Arraial é hoje a BR-277 e também o vale usado pelo OLEODUTO OLAPA da Petrobrás; o vale do Caminho dos Ambrósios é atualmente a BR- 376 que realiza o acesso ao litoral de Santa Catarina cruzando a Serra do Mar pelo Paraná; o vale do Caminho da Graciosa é o traçado da atual Estrada da Graciosa, estrada essa tão cênica e bela que é conhecida e aclamada pelo Brasil;  o vale do Caminho da Conceição e Picada do Cristovão é o mesmo usado para Companhia Paranaense de Eletricidade (COPEL), para as linhas de transmissão e o duto na usina Gov. Parigot de Souza,  bem como um trecho do traçado atual da Rod. Regis Bittencourt (BR116); e, por fim, o vale do Caminho do Itupava é o mesmo usado pela Estrada Ferro Paranaguá-Curitiba.

Além disso, podemos afirmar que a construção da Estrada de Ferro é um caso à parte que renderia, sem sombra de dúvidas, outro texto como esse. Foi graças à construção desta ferrovia que, por exemplo, o Montanhismo Brasileiro nasceu, em terras paranaenses, em 1879, nas mãos e laboro de Joaquim Olimpio Carmeliano de Miranda.

Ainda, há de se destacar, quando se fala nesta grande obra de arte que é a ferrovia Paranaguá – Curitiba, que a concessão de execução da obra foi adquirida e posteriormente rejeitada por franceses e americanos, tendo seu traçado concebido como impossível de realizar.

Neste momento entram em cena, e na história, Antônio e André, os irmãos Rebouças, descritos na citação: “Descendo pela atual Avenida Rebouças, chegava-se ao Rio Pinheiros, onde então se inicia o que conhecemos por BR-116, a Régis.”. Foram também homenageados em uma importante avenida da capital Paranaense: a Avenida Engenheiros Rebouças.

Não obstante, quando chegam às mãos dos dois irmãos os projetos da linha de ferro que, lembramos, foram rechaçados tanto por americanos quanto por europeus, os irmãos Rebouças aceitam o desafio. Porém, modificam o projeto, criando linhas ainda mais arrojadas no trecho, inserindo viadutos, pontilhões e túneis magníficos, criando verdadeiro esplendor arquitetônico.

Além da avenida, Curitiba lhes dá o nome de todo um bairro, o Rebouças; demonstrando grande respeito por esses importantes vultos, afinal, são responsáveis por outras obras na consagrada urbe. O Rio de Janeiro, capital Federal na época, lhes consagra um túnel, uma vez que as Docas, a Alfândega e todo o sistema de Abastecimento e Saneamento do Rio de Janeiro da época, são projetos deles. A cidade mais fervilhante do país, São Paulo, como dito acima, lhes homenageia com uma avenida.

André constitui contato íntimo com os escritores Machado de Assis e Olavo Bilac em lutas de causa. Tudo isso em uma época borbulhante, monarquista, racista, machista e escravocrata do século XIX. Não podemos nos esquecer de esclarecer e mencionar apenas um “pequeno” detalhe: Os irmãos Rebouças eram negros.

Ao cruzar por duas vezes os trilhos desta linha férrea, o Caminho do Itupava vislumbra duas construções referentes à Estrada de Ferro: A Casa do Ipiranga, erigida nas margens do Rio Ipiranga, que iniciou-se com um acampamento dos construtores da ferrovia, posteriormente transformou-se na casa do Engenheiro Chefe da Linha ainda no tempo da RVPRSC, e depois Clube de recreação para os funcionários da Rede Ferroviária Federal, até a sua privatização em 1996. Também temos o Santuário do Cadeado, próximo aonde já descrevemos a explosão de pedras por canhões. Ali, encontrava-se um escritório da linha e, anexo, uma casa de telégrafo, onde houve lauto almoço para Vossa Alteza D. Princesa Izabel, seu marido, Conde D’Eu e sua comitiva em visita pelo Paraná. A construção foi demolida posteriormente dando lugar ao Santuário. Ainda, podemos citar que, anteriormente, logo mais abaixo havia mais uma barreira no Itupava, nome pelo qual eram conhecidos os pedágios; suas ruinas encontram-se exatamente no leito da trilha do Caminho, porém poucos conseguem vê-la.  Logicamente, quando falamos entre os primitivos caminhos, que ainda existem, e os traçados modernos atuais, devemos observar que as relações de traçado sofreram modificações por questões de inclinação e estrutura, mas o leito principal pelos vales ainda é o mesmo, prova essa é que os Caminhos cruzam, permeiam e ora, se confundem com trechos dos acessos atuais, tais como a ferrovia e rodovias.

Através do desuso do caminho, apenas poucos sabiam de sua existência, porém não de sua história. Era uma trilha conhecida e utilizada por alguns aventureiros, através do século até por volta da década de 1980.  O caminho se modificou e ficou soterrado na maioria de seus trechos após mais de 200 anos de interferências realizadas pela floresta. Árvores, raízes, folhas e desbarrancamentos encobriram muitas partes do seu trecho calçado.

Somente nos anos 2000, com financiamento do banco alemão KfW, o Caminho do Itupava ganhou obras de desassoreamento e melhorias, transformando-o em um grande potencial histórico-econômico e turístico. Sua história foi resgatada e agora vem sendo transmitida com mais afinco pelos seus frequentadores.

Durante o projeto para a readequação turística do Itupava, acertou-se que pequenos trechos deveriam ficar como “fiéis-testemunhos”, não recebendo qualquer tipo de intervenção (salvo levantamentos dos sítios arqueológicos). Nestes pequenos trechos, o trajeto foi mudado para que os frequentadores não transitem por ali; mantendo os referidos locais sem intrusão, mantendo a paisagem como se ainda estivesse esquecido por mais de 200 anos.  

Mesmo pelo trajeto atual, é possível vislumbrar ruinas e sítios arqueológicos. Porém, é difícil fazê-lo sem conhecimento prévio ou sem auxílio de um tutor. Restos de casas, comércios e engenhos, bem como utensílios domésticos e cacos de louça inglesa do século XVIII e XIX, são facilmente encontrados. Ainda, há ruinas de incríveis construções nos trechos mantidos como “fiéis-testemunhos”.

Das originais 18 léguas, desde o atual  Largo Bittencourt, ao lado do Passeio Público (que é a primeira obra de saneamento básico de Curitiba, realizada para conter as cheias do Rio Belém), até a baia de Paranaguá, descendo pelo rio Nhundiaquara; hoje resta aos aventureiros e amantes da natureza, realizar o trecho a pé de 19,5 km ( ou cerca de 3,5 léguas), do Posto do IAT antigo IAP) Borda do Campo, Quatro Barras; até o Posto do IAT em Prainhas, Morretes; podendo estender por mais 4,5 km até chegar à Vila de Porto de Cima (totalizando cerca de 4 léguas), durante cerca de 7 a 10 horas na primeira situação e 8 a 12 horas na segunda, em meio à imensa biodiversidade da fauna e flora constante bem no coração da Serra do Mar Paranaense.

Como dito  acima, a trilha atual do Caminho do Itupava, se inicia em Quarto Barras/Pr e finaliza em Morretes/Pr, sendo necessário, antes de trilha-lá um planejamento estratégico de como será feito o transporte para o início e final da trilha caso não queira ir e voltar pela mata.



Fotos tiradas durante a trilha do Caminho do Itupava em excursão realizada pela agência de viagens Trilheiros do Paraná, sob condução dos monitores da equipe, Carolina Ramiro e Raquel Gonzatti, e Papael Kozechen.

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